BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE CONSERVAÇÃO E RESTAURO SEGUNDO CESARE BRANDI E UMBERTO BALDINI
Várias teorias se desenvolveram sobre Conservação e Restauro de objectos artísticos . O Instituto de Artes e Ofícios da Universidade Autónoma da Lisboa ensina e defende a teoria de Cesare Brandi, um historiador de arte do século XX, catedrático da Universidade de Palermo e fundador do Instituto Centrale del Restauro de Roma.
Esta teoria apoia-se, em primeiro lugar, na definição exaustiva do conceito de obra de arte e seu valor para a humanidade para passar, depois, a um desenvolvimento exaustivo sobre o conceito de conservação e restauro e suas atitudes fundamentais.
Para Brandi uma obra de arte é um " produto da espiritualidade humana "1 na qual está implícito o facto de ser algo realizado por uma pessoa única, com toda a sua particular forma de ser, reflectindo sempre o tempo em que foi criado portanto, uma estética produzida por aquele espírito único num dado tempo; acresce-lhe um outro tempo que diz respeito ao momento em que a obra se encontra no acto da intervenção restauradora.
O momento em que se reconhece esta unidade histórica e estética na qual está incluída a matéria e a necessidade de a preservar para valorização das gerações futuras, é o momento onde Cesare Brandi encontra a definição de Restauro:
“O restauro constitui o momento metodológico do reconhecimento da obra de arte na sua consistência física e na dupla polaridade estética e histórica em ordem á sua transmissão ao futuro” (Brandi,1977)
A matéria, enquanto estrutura física que suporta a imagem, tem prioridade nas várias acções conservadoras e é, acima de tudo, sobre esta matéria, que se deve intervir pois será o bom estado desta que assegurará a existência da obra para o futuro. Contudo, são duas as vertentes da matéria para onde se deverá dirigir a nossa atenção: a matéria como aspecto e matéria como estrutura. Embora ambas proporcionem a "epifania da imagem", o aspecto prevalecerá sempre em relação à estrutura. Sempre que necessário dever-se-ão fazer todos os esforços para manter a consistência física da obra mesmo que esta implique uma substituição da matéria/estrutura no sentido de preservar a matéria/aspecto que, desta sim, depende a sua condição artística.
A dupla historicidade da obra de arte que consiste no momento da sua criação e o tempo que a obra viveu até ao momento do seu reconhecimento como tal, é outra instância a analisar minuciosamente no acto da conservação e restauro.
Um dos princípios fundamentais da conservação e do restauro assenta no restabelecimento da unidade potencial da obra de arte, sempre que seja possível, sem cometer uma falsificação artística e histórica e sem apagar a marca de algum bom envelhecimento da obra através do tempo.
Esta teoria, desenvolvida e levada à prática por Umberto Baldini, discípulo de Cesare Brandi e docente de História, Teoria e Técnica do Restauro da Universidade de Pisa, apresenta-nos as intervenções conservadoras como fazendo parte do 2º acto positivo da vida da obra após um 1º acto dedicado à criação da obra.
Este 2º acto chamado de Bios (tempo/vida) que remete as intervenções para um bom envelhecimento da obra, preocupa-se sobretudo em preservar o que da obra chegou até nós.
Através de rigorosos métodos da análise e profundos estudos filológicos da obra, pretende Baldini encontrar equações matemáticas que permitam ao conservador restaurador encontrar quantidades de sujidades e oxidações a retirar levando em conta o estado original da obra e a passagem do tempo sobre ela que lhe imprimiu caracter. Todo o envelhecimento da matéria, sedimentação de sujidades e oxidações de pigmentos, poder-se-ão em alguns casos, , fazer passar de condição de envelhecimento a condição de patine em vez de remover totalmente criando disparidades proporcionais entre as cores originais. Durante o processo de limpeza deverá levar-se em conta que, tudo o que for limpo em demasia, além de desvirtuar a obra na sua dupla instância histórica, não mais poderá ser reposto uma vez que a limpeza é o único acto irreversível aplicado no restauro de uma obra de arte. Todas as demais intervenções de conservação e restauro deverão ser tais que, tanto materiais usados como as técnicas aplicadas deverão ser compatíveis e reversíveis.
Enquanto que as intervenções conservadoras, tanto preventivas como curativas se dedicam a cuidar da matéria enquanto suporte do Bios fazendo-a passar de um tempo/vida negativo a um tempo/vida positivo, as intervenções de restauro dedicam-se á instância estética, devolvendo a unidade expressiva da obra.
No que diz respeito ao restauro propriamente dito, o restaurador considera-se eticamente "obrigado" a respeitar o momento criativo do artista não devendo intervir nesse momento, apropriando-se dele. O restaurador, enquanto tal, não se pode dar a actos de criação. Deve apenas e só proporcionar o " desfrute " do que ainda resta da obra de arte tal como chegou até nós sem "reintegrações analógicas" de maneira a que não possam surgir quaisquer dúvidas sobre a antiguidade da obra .
Sendo uma lacuna, no contexto pictórico, uma interrupção de forma indevida da imagem , esta apresenta-se como uma figura concorrencial à própria imagem, sendo necessário diminuir-lhe esse valor de figura, integrando-a no todo. Contudo toda a eventual integração, por mínima que seja, deverá ser facilmente detectável.
Desta forma, uma vez que "igualar" não é possível, a "diferenciação" é absolutamente necessária para não cair no absurdo de criar uma "igualdade" falsa. Também neste caso, à semelhança das intervenções conservadoras, Baldini apresenta-nos soluções matemáticas quantificativas com vista a uma intervenção qualitativa.
Neste caso e após a atribuição de valores numéricos a cada instância, o potencial expressivo de uma obra de arte é conseguido através da soma do 1º acto (criativo) com o 2º acto (tempo/vida positivo).
Não sendo possível na maioria dos casos repor os valores originais, dever-se-á pelo menos manter a proporção numérica entre eles pois qualquer posterior alteração do objecto, será modificado este potencial.
No caso da reintegração das lacunas, a integração diferenciada consegue transformar a lacuna perdida (perca total da matéria) numa lacuna falta (perca de policromia) tornando-se num acto que adere totalmente ao tempo/vida positivo da obra de arte evitando deste modo que a obra se torne num Bios inútil em estado de Thanatos (morte eminente) imitando o Heros (restituição da sua realidade). A lacuna enlace será pois a evidencia que permanecerá na policromia após uma intervenção de restauro fazendo a união do todo tanto através da selecção como da abstracção cromática.
Em tom de conclusão após estas breves considerações quero sublinhar que tanto Cesare Brandi como Umberto Baldini são unanimes em defender que, apesar destas teorias gerais, cada situação é particular merecendo análise detalhada e individualizada. Em última análise, não deverá ser esquecido que, no momento da criação a lacuna não fazia parte da imagem criada remetendo a função do restaurador para um estatuto de "missão" no sentido de fazer honrar a imagem criada mantendo a obra una no seu espírito/matéria/dupla historicidade e estética.
Bibliografia Consultada
"Teoria de la Restauracón"- Cesare Brandi, Arte y Musica,Alianza editorial
"Teoria de la Restauracíon y unidad Metodologica " - Umberto Baldini, volume I, II - Nerea/Nardini
"Conservacíon y Restauracíon -Materiales,tecnicas y procedimientos dela A a la Z "- Ana Calvo, Ediciones del Serbal
"Conservacíon y Restauracíon de Pintura sobre Lienzo " - Ana Calvo, Ediciones del Serbal"La Restauracíon de Obras de Arte-negócio,cultura,controversia y escándalo" - James Beck com Michel Daley - Ediciones del Serbal